terça-feira, 12 de março de 2013

Todo Dia Existe Deus



Um dia me perguntaram se eu acreditava em Deus.
Eu então lhes respondi da maneira como eu pensava.
Entre a lua e as estrelas num galope, num tropel,
Pisando nas nuvens brancas eu vi Deus passar no Céu.
Todo dia existe Deus...
No sorriso da criança, no canto dos passarinhos,
No olhar, na esperança...

Todo dia existe Deus...
Na harmonia das cores, na natureza esquecida,
Na fresca aragem da brisa, na própria essência da vida...

Todo dia existe Deus...
No regato cristalino, pequeno servo do mar,
Nas ondas lavando as praias, na clara luz do luar...

Todo dia existe Deus...
Na escuridão do infinito, todo ponteado de estrelas,
Na amplidão do universo, no simples prazer de vê-las...

Todo dia existe Deus...
Nos segredos desta vida, no germinar da semente,
Nos movimentos da Terra, que gira incessantemente...

Todo dia existe Deus...
No orvalho sobre a relva, na natureza que encanta,
No cheiro que vem da terra, e no sol que se levanta...

Todo dia existe Deus...
Nas flores que desabrocham perfumando a atmosfera,
Nas folhas novas que brotam anunciando a primavera...

Deus é capaz, Deus é paz,
Deus é a esperança, é o alento do aflito,
O Criador do Universo, da luz, do ar, da aliança...

Deus é a justiça perfeita, que emana do coração.
Ao perdoar quem ofende, Ele é o próprio perdão...

Será que você não viu ainda o rosto de Deus
No colorido mais belo dos olhos dos filhos seus?

Deus é constante e perene, é Divino, de tal sorte
Que sendo a essência da vida é o descanso na morte...

Não há vida sem a volta e não há volta sem vida.
A morte não é a morte, é só a porta da vida...

Todo dia existe Deus...
No ciclo da natureza, neste ir e vir constante,
No broto que se renova, na vida que segue adiante,
Em quem semeia bondade, em quem ajuda o irmão
Colhendo felicidade, cumprindo a sua missão...

Todo dia existe Deus...
No suor de quem trabalha, no calo duro das mãos,
No homem que planta o trigo, no trigo que faz o pão,
Você pode sentir Deus dentro do seu coração...
Rita Pando - Direitos reservados à Paróquia Santa Catarina - Vila Santa Catarina - São Paulo - SP

“A condição humana”


 de Hannah Arendt

Ao começar sua obra, “A condição humana”, Hannah Arendt alerta: condição humana não é a mesma coisa que natureza humana. A condição humana diz respeito às formas de vida que o homem impõe a si mesmo para sobreviver. São condições que tendem a suprir a existência do homem. As condições variam de acordo com o lugar e o momento histórico do qual o homem é parte. Nesse sentido todos os homens são condicionados, até mesmo aqueles que condicionam o comportamento de outros tornam-se condicionados pelo próprio movimento de condicionar. Sendo assim, somos condicionados por duas maneiras:
  1. Pelos nossos próprios atos, aquilo que pensamos, nossos sentimentos, em suma os aspectos internos do condicionamento.
  2. Pelo contexto histórico que vivemos, a cultura, os amigos, a família; são os elementos externos do condicionamento.
Hannah Arendt organiza, sistematiza, a condição humana em três aspectos:
·         Labor
·         Trabalho
·         Ação
O “labor” é processo biológico necessário para a sobrevivência do indivíduo e da espécie humana. O “trabalho” é atividade de transformar coisas naturais em coisas artificias, por exemplo, retiramos madeira da árvore para construir casas, camas, armários, objetos em geral. É pertinente dizer,- ainda que sedo-, para a autora, o trabalho não é intrínseco, constitutivo, da espécie humana, em outras palavras, o trabalho não é a essência do homem. O trabalho é uma atividade que o homem impôs à sua própria espécie, ou seja, é  o resultado de um processo cultural. O trabalho não é ontológico como imaginado por Marx. Por último a “ação”. A ação é a necessidade do homem em viver entre  seus semelhantes, sua natureza é eminentemente social. O homem quando nasce precisa de cuidados, precisa aprender e apreender, para sobreviver. Qualquer criança recém nascida abandonada no mato morrerá em questão de horas. Por isso dizemos que assim como outros animais o homem é um animal doméstico, porque precisa aprender e apreender para sobreviver. A mesma coisa não acontece com aqueles animais que ao nascer já conseguem sobreviver por conta própria, sem ajuda. A qualidade da ação supõe seu caráter social ou como escreve Hannah, sua pluralidade.

Tanto ação, labor e trabalho estão relacionados com o conceito de “Vita Activa”. Para os antigos, a “Vita Activa” é ocupação, inquietude, desassossego. O homem, no sentido dado pelos gregos antigos, só é capaz de tornar-se homem quando se distancia da “vida activa” e se aproxima da vida reflexiva, contemplativa. É justamente nessa visão de mundo grega que os escravos não são considerados homens. O escravo ao ocupar a maior parte de seu tempo em tarefas que visam somente à sobrevivência de si e de outros, é destituído do conceito grego de homem, mas por outro lado ele não deixa de ser humano. Portanto, dentro dessa lógica só é homem aquele que tem tempo para pensar, refletir, contemplar. Nietzsche afirma em seu “Humano, desmasiado humano”que, aquele que não reserva, pelo menos, ¾ do dia para si é um escravo. A base disso encontramos em  Sócrates: se é apenas para comer, dormir, fazer sexo, que o homem existe, então, ele não é homem, é um animal. Pois assim era visto o escravo: um animal. Um animal necessário para à formação de “homens”. É muito importante salientar que a escravidão da Grécia antiga é bem diferente da escravidão dos tempos modernos. Pois, na era moderna a escravidão é um meio de baratear a mão-de-obra, e assim, conseguir maior lucro. Na antiguidade a escravidão é um meio de permitir que alguns, por exemplos,  os filósofos, tivessem o controle do corpo, das necessidades biológicas; a temperança. Para os gregos, a escravidão, do ponto de vista de quem se beneficia dela, - os próprios filósofos da época - salva o homem de sua própria animalidade, e não lhe prende às tarefas pragmáticas. A dignidade humana só é conquistada através da vida contemplativa, reflexiva: uma vida sem compromisso com fins pragmáticos.

A religião cristã toma emprestado a concepção de mundo grega, e vulgariza a dignidade humana. Agora qualquer indivíduo pode, e deve viver, uma vida contemplativa. Enquanto na Grécia antiga a vida contemplativa era destinada aos filósofos, no cristianismo ela é destinada a todos. Essa é única forma que o cristianismo encontra para convencer os homens a rezar.

Hannah Arendt identifica três forma dicotômicas de trabalho:
·         improdutivo e produtivo
·         qualificado e não qualificado
·         intelectual e manual.
Como a intenção da autora é mostrar a fraqueza do pensamento de Karl Marx, ela diz que o conceito de trabalho usado por Marx, é  um conceito comum de sua época: trabalho é trabalho produtivo. Segundo a autora esse conceito de trabalho produtivo, isto é, trabalho que produz objetos, matéria; eclodiu das mãos dos fisiocratas. A escolha de Marx pelo uso do termo trabalho como trabalho que produz, que gera, que cria, estava em moda na época.

Com o avanço do processo de industrialização haveria de designar algum nome para todo
aquele trabalho que não estava ligado ao trabalho industrial, daí nasceu o trabalho intelectual em contraposição ao trabalho manual. Tanto um como outro, faz uso das mãos, quando colocados em prática. O intelectual precisa das mãos para escrever seu pensamento. Nesse sentido o trabalho intelectual também é trabalho manual. É dessa forma que o trabalho intelectual é integrado dentro do conceito “trabalho” da revolução industrial. A ideologia que atravessa os tempos modernos é a seguinte: Qualquer coisa que se faça tem que ser necessariamente produtivo, tudo deve ser transformado em mercadoria, ou seja, o valor de troca tem a última palavra.

Qual é o caráter objetivo implícito do conceito “força de trabalho” em Marx? Compreende que todos tem a mesma força de trabalho, até mesmo aqueles que são fisicamente mais fracos. Assim, Marx consegue formar o conceito de “valor de troca”, tempo de trabalho necessário dispendido para produzir um objeto. Necessário para quem? Para todos. Se o tempo médio da produção de um sapato é 6 horas, todos os trabalhadores devem se adequar. Marx não explica como ele consegue calcular o tempo médio abstrato, o tempo social? Portanto, ele, pressupõe que todos devem ter a mesma força de trabalho, e desconsidera as diferenças subjetivas. É obvio que uma criança não tem a mesma força de trabalho de um adulto, nem o deficiente físico terá a mesma força, sem falar nas diferenças mais minuciosas. Em suma, Marx pensava que todos devem ter a capacidade de produzir um mesmo objeto num tanto “x” de horas. E é isso que será exigido pelos proprietários dos meios de produção.

A força de trabalho é aquilo que o homem possui por natureza, só cessa com a morte. Diferente do produto, a força de trabalho não acaba quando o produto termina de ser produzido. Portanto, a força de trabalho é aquilo que Hannah Arendt entende por “labor”. “O labor não deixa atrás de si vestígio permanente”. ( 101, Arendt)
Arendt dá alguns exemplos que nos pode ajudar entender o conceito de labor. Qual é a diferença entre um pão e uma mesa? A mesa pode durar anos e o pão dura, como muito, dois dias. O trabalho é força gasta para produzir a mesa. O labor é a força dispendida para produzir o pão. Mesa: objeto material produzido para o uso cotidiano e ocupa lugar no espaço. Pão: elemento material produzido para à sobrevivência de seres vivos e não ocupa lugar no espaço, visto que durante a digestão o pão é transformado em energia do corpo.

“O que os bens de consumo são para a vida humana, os objetos de uso são para o mundo do homem”.(Arendt) O bem de consumo é o pão e o objeto de uso é a mesa. O primeiro permite a vida; o segundo é necessário aos relacionamentos humanos. Em suma, o homem se torna dependente daquilo que que produz. E para a autora, torna-se dependente é torna-se condicionado. Daí encontramos a justificativa do nome do livro: “A condição humana”. Quais são as condições que o homem se impõe e se submete para permanecer em sociedade, para viver em coletividade? Se fossemos analisar essa questão mais pormenorizadamente teriamos necessariamente de falar sobre auto-repressão do prazer, aquilo que  Freud chama de controle do superego sobre o id. Mas não podemos esquecer que o nosso fim neste trabalho é perscrutar alguns aspectos e vertentes que o trabalho tem na obra da escritora alemã.

Sendo assim, como entender uma realidade que tem como pedra de toque o que chamamos  trabalho? Para que o mundo dê curso à vida é preciso transformar o abstrato em matéria, o impalpável no papável. Isso é uma necessidade humana. Sociedades ocidentais e não-ocidentais( tribais) realizam esse processo de maneiras diferentes. Na primeira, existe o valor de troca, na segunda, não há valor de troca. A palavra trabalho é um termo, conceito, ocidental que é constitutivo do capitalismo, das sociedades ocidentalizadas. E este conceito não pode ser aplicado nas sociedades não ocidentalizadas, onde o capitalismo não existe. Portanto, não faz sentido dizer que os índios trabalham. Eles não trabalham, apenas realizam atividades.

Estamos num ponto delicado do nosso trabalho. Um ponto que é ignorado por grande parte de estudiosos das ciências. A afirmação: os índios não trabalham, não quer dizer que eles são preguiçosos, quer dizer que eles não produzem valor de troca, portanto, não realizam trabalho. Quando Marx pensa que o trabalho pode ser constitutivo do homem, ele não está usando como pressuposto o conceito valor de troca. E, é importante entender isso, porque esse foi o lugar onde ele foi mais mal interpretado. Peço que esqueçam do conceito valor de troca por um momento. Vamos imaginar aquela velha estória do homem que se encontra isolado, sozinho numa ilha. Ele quer encontrar alguma forma para sair da ilha. E para isso ele deverá construir um barco,  irá trabalhar. Antes de construir o barco o homem tem a idéia do que seja um barco, isto é, ele já viu um barco pelo contato direto. Ao ver um barco pela primeira vez, ele forma o conceito de barco. Então, imagina um barco, cria a imagem na mente, para depois construí-lo. A construção do barco dependente necessariamente do conceito  barco. Esse exercício de imaginar e depois construir é próprio do ser humano, e, é nesse sentido que Marx diz que o homem é o único animal que trabalha. O homem imagina e depois faz. Se acrescentamos o valor de troca, temos o trabalho capitalista. O trabalhador da fábrica sabe de antemão qual objeto irá produzir, sabe para que será usado. Todo objeto antes de ser construído tem sua finalidade, sua utilidade.

Nesse aspecto entre o meio(recurso usado para obter um fim) e o fim, temos a distinção entre objeto e instrumento. O instrumento é usado para produzir o objeto, por exemplo, o alicate é usado na produção de automóveis. Uma vez acabada a produção do automóvel, este serve como meio de transporte. A princípio temos o automóvel como fim, e num segundo momento temos o automóvel como meio. Ele é um fim em relação ao alicate, e depois, é um meio em relação ao homem. Se em relação ao alicate temos um objeto, em relação ao homem temos um instrumento. É nesse sentido que Arendt fala que existe um processo circular entre meio e fim, instrumento e objeto; em que todo fim se torna meio e todo meio se torna fim. Assim nos explica Hannah Arendt: “Num mundo estritamente utilitário, todos os fins tendem a ser de curta duração e a transformar-se em meios para outros fins.”(Arendt, 167)

Nenhum instrumento é produzido a bel-prazer, é produzido para atender ao tipo de objeto desejado. O que realmente importa ao empregador é o objeto final acabado, o instrumento é apenas o meio. Por isso dizemos que os meios de produção são instrumentos usados para gerar mais-valia. Usados por quem? Pelo trabalhador assalariado. Quando o assalariado não percebe que o uso que ele faz do instrumento, -seu trabalho-, gera mais- valia, dizemos que ele se encontra num estado de alienação.

Vamos voltar um pouco na distinção entre trabalho e labor. Já foi dito que o labor é trabalho gasto para produção de alimentos. Portanto, é o que mantem a saúde do indivíduo. Só assim ele poderá trabalhar. Nesse aspecto o labor é pré-requisito do trabalho. O que quer dizer isso? Não é possível, (dentro dos termos de Arendt), existir trabalho sem labor, ainda que seja possível o inverso. Ao passo que o labor produz a matéria para incorporá-la ao organismo, o trabalho a produz para que esta seja usada na produção de outros objetos e na materialização do abstrato( exemplo, colocar no papel uma idéia).
Uma outra distinção entre trabalho e labor consiste em que, enquanto o labor exige o consumo rápido ou imediato, o trabalho não. A lógica do trabalho é a durabilidade dos objetos. Sua durabilidade permite a acumulação e estoque dos objetos.

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É por meio da troca de produtos,-troca intermediada pelo valor de troca-, que se dá as relações humanas, visto que, durante a produção os hom@ns encontram-se isolados uns dos outros. “Sem isolamento nenhum trabalho pode ser produzido”(Arendt, 174). “Somente quando pára de trabalhar e quando o produto está acabado é que o trabalhador pode sair do isolamento”(Arendt, 174). Nesse sentido de trabalho, Arendt imaginara um trabalho industrial. Se incluímos os serviços, nem uma das afirmações anteriores se sustentam. Tendo em vista que muitos serviços são realizados no contato direto entre os hom@ns.
* Sobre o autor 
Thiago Rodrigues Braga é estudante de Ciências humanas da Universidade Federal de Goiás. Seu maior interese atravessa a antropologia, filosofia e literatura. Atualmente se preocupa em entender a ideologia da literatura ocidental. Por que toda a literatura ocidental é centrada nos autores europeus e norte-americanos enquanto os latino-americanos e africanos permanecem marginalizados? Qual a razão que explica tal negligência?

Educação profissional na LDB



A educação profissional e tecnológica passa a integrar a Lei nº 9.394/96, de diretrizes e bases da educação. O projeto de lei que institui a mudança, aprovado pela Câmara dos Deputados, foi sancionado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
As alterações na LDB têm o propósito de transformar em lei as inovações trazidas pelo Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Portanto, passam a ser obrigatórias aos estados e municípios e tornam-se mais um componente da política de melhoria da qualidade da educação brasileira. O objetivo é preparar melhor e elevar a escolaridade dos trabalhadores.
A nova redação dos artigos 37, 39, 41 e 42 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) propõem que a educação profissional integre-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia. Os cursos poderão ser organizados por eixos tecnológicos; assim, possibilitam a construção de diversos itinerários formativos – um aperfeiçoamento do aluno na área escolhida.
A lei também dispõe sobre os tipos de curso que a educação profissional e tecnológica abrangerá: de formação inicial e continuada ou qualificação profissional, técnica de nível médio e tecnológica de graduação e pós-graduação. As instituições de educação profissional também deverão oferecer, além de seus cursos regulares, cursos especiais, abertos à comunidade. Nesse caso, a matrícula não deve ser condicionada, necessariamente, ao nível de escolaridade, mas à capacidade de aproveitamento do aluno.
Também foi acrescentada uma seção sobre a educação profissional técnica de nível médio, no Capítulo II do Título V da LDB. O dispositivo propõe que o ensino médio, atendida a formação geral do estudante, prepare para o exercício de profissões técnicas. Assim, a articulação deve ser feita de forma integrada (matrícula única, na mesma escola) ou concomitante (matrícula distinta, na mesma ou em outra instituição, para quem ingressa ou já cursa o ensino médio).
Para o diretor de articulação e projetos especiais da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec/MEC), Irineu Colombo, a inserção do ensino técnico na LDB é fruto de cinco anos de debate entre educadores, gestores e a sociedade. “Um dos objetivos das alterações na lei é o de estabelecer melhores condições de capacitação dos alunos para aumentar suas chances de empregabilidade”, afirma.
Letícia Tancredi

O saber e o saber fazer dos professores




O saber e o saber fazer do professor

Ana Maria Pessoa de Carvalho
Daniel Gil Perez

Desde o final da década de 70, a sociedade educacional brasileira discute, em suas várias associações, a formação de professores procurando nortearo que existe em comum nessa formação para os diversos níveis de ensino. Segundo Brzezinski ( 1996),
...quanto à consecução de uma formação inicial de qualidade, o Mo­vimento Nacional, em sua trajetória, procurou traçar uma pauta mínima e não um projeto acabado para apoiar o trabalho das experiências de reformulação curriculares que foram se efetivando. (p. 202)
Essa pauta mínima, também denominada de base comum nacional, está assentada em cinco eixos:
1)    sólida formação teórica;
2)    a unidade teoria e prática, sendo que essa relação diz respeito ao como se dá a produção de conhecimento na dinâmica curricular do curso;
3)    o compromisso social e a democratização da escola;
4)    o trabalho coletivo;
5)              a articulação entre a formação inicial e continuada.

Neste capítulo, vamos nos debruçar nos dois primeiros eixos da base comum nacional visando nos aprofundar no saber e no saber fazer dos professoresdas licenciaturas, isto é, nos saberes necessários para uma sólida formação teórica e nas relações teoria e prática que proporcionam as condições para o saber fazer dos professores que irão ensinar um determinado conteúdo (Português, Matemática, Historia, Física, etc.) na escola fundamental e média.
Podemos distinguir três áreas de saberes necessárias para proporcionar aos professores uma sólida formação teórica (Carvalho c Vianna, 1998):
·                     os saberes conceituais e metodológicos da área que ele irá ensinar:
·                     os saberes integradores, que são os relativos ao ensino dessa área;
·                     os saberes pedagógicos.
A cada um deles está relacionado um saber fazer, ou seja, uma relação teoria e prática - teorias diferentes requerem práticas diferentes.
6.1  Os Saberes Conceituais e Metodológicos da Área Específica
Quando trabalhamos com professores, quer nos cursos de formação inicial, quer nos de formação continuada e lhes fazemos a pergunta: "O que deve saber e saber/fazer um professor para ser um ótimo profissional" (Carvalho et Gil, 1993), sempre obtemos uma resposta em primeiro lugar: “ele deve saber o conteúdo que irá ensinar". Depois, se organizarmos uma discussão em grupo em que os professores possam discutir com seus colegas, muitos outros saberes vão sendo elencados, tais como: saber preparar as aulas, dirigir as atividades dos alunos; ter boa interação em classe, isto é, entender o que os alunos dizem e se fazer entender por eles, saber avaliar, escolher dentro do currículo apresentado pela escola o que é mais significativo etc. Mas os grupos de professores reunidos ainda ratificam que saber  o conteúdo a ser ensinado é o fator mais importante que caracteriza um bom profissional.
Mas o que é saber o conteúdo a ser ensinado?
Essa também é uma discussão bastante interessante a se fazer com os professores. A primeira fonte de conhecimento citada nas discussões é olivro-texto, mas será que basta conhecermos bem o conteúdo apresentado nos livros-textos universitários para sabermos preparar uma aula para o curso médio? Ou sabendo o conteúdo apresentado nos livros do curso médio estamos preparados para ensinar no curso fundamental? Será que o conteúdo a ser trabalhado nos cursos fundamental e médio deve ser o mesmo do superior, somente em um nível mais simples? O que significa "em um nível mais simples”?
Análises feitas nos livros didáticos para adolescentes têm mostrado que, na procura de "simplificar o conteúdo”, seus autores somente tornam estes muitomais áridos e difíceis que os usados por universitários (Castro, 2000; Espinosa e Carvalho, 1991). Na grande maioria dos livros didáticos para os níveis fundamental e médio, o conteúdo é apresentado através do encadeamento de uma série de conceitos, em uma seqüência lógica que nem sempre éexplicitada, discutida e/ou justificada. Além disso, os conceitos são introduzidos a partir de suas definições, de suas equações matemáticas ou de seusgráficos, sem nenhuma descrição das necessidades intelectuais que levaram os cientistas a construí-los.
Todos os trabalhos de pesquisas existentes mostram a gravidade causada por uma carência de conhecimentos da matéria pelo professor, transformando-o em um transmissor mecânico dos conteúdos de livros textos.
Para que o professor possa fazer uma crítica fundamentada nos livros-textos e ao ensino tradicional, estando apto para inovações curriculares que estão acontecendo no ensino, ele precisa dominar os saberes conceituais e metodológicos de sua área, o que, para nós, - centrando-nos, a título de exemplo, na Educação científica -, significa (Carvalho e Gil, 1993):
- Conhecer os problemas que originaram a construção de tais conhecimentos e como chegaram a articular-se em corpos coerentes,evitando assim visões estáticas e dogmáticas que deformam a natureza do conhecimento. Se trata, portanto, de conhecer a história dasciências, não só como suporte básico da cultura científica, mas, principalmente, como uma forma de associar os conhecimentos com os problemas que originaram sua construção,  sem o qual tais conhecimentos aparecem como construções arbitrárias. Se pode, assim,conhecer quais foram as dificuldades, os obstáculos epistemológicos que se teve de superar, o que constitui uma ajuda imprescindível para compreender as dificuldades dos estudantes,
-Conhecer as orientações metodológicas empregadas na construção dos conhecimentos, isto é, conhecer a forma como os cientistas colocam e tratam dos problemas de seu campo do saber, as características mais notáveis de sua atividade, os critérios de validação e aceitação de suas teorias.
-Conhecer as interações Ciências/Tecnologia/Sociedade associadas a construção de conhecimentos, sem ignorar o frequente carater conflitivo dessa construção e a necessidade da tomada de decisão.
-Ter algum conhecimento dos desenvolvimentos científicos recentes e suas perspectivas, para poder transmitir uma visão dinâmica do conteúdo a ser ensinado.
-Adquirir conhecimentos de outras disciplinas relacionadas, de tal forma que possa abordar problemas transdisciplinares, a interação entredistintos campos e também os processos de unificação.
Temos consciência de que essa visão do que seja “conhecer o conteúdo que se deve ensinar" é inovadora para muitos professores e/ou futuros professores, pois são poucos os cursos de graduação em que encontramos disciplinas que discutam essas problemáticas e que façam uma estreitaligação entre o conteúdo es­pecífico e as reflexões históricas e filosóficas de sua produção.
Para essa área do saber - saber conceitual e metodológico do conhecimento específico -, a relação teoria e prática não é feita em relação ao ensino desse conteúdo, mas sim ao próprio desenvolvimento metodológico do conteúdo. Assim, por exemplo, para a Física, a prática é feita nos laboratóriosde Física, para a História, a prática dos alunos é feita nas bibliotecas, nos museus e centros de documentação. A prática, ou o saber fazer, estáintrinsecamente relacionada com a forma de produção do conhecimento na área.
Este é um ponto bastante importante na formação inicial e permanente dos professores, pois várias pesquisas têm mostrado (Tobin e Espinet,1989;Ostermann e Moreira, 2000; Terazzan et al, 2000) que a principal dificuldade para que os professores se envolvam realmente na implantação de propostas inovadoras é a falta de domínio das questões fundamentais do conhecimento. Nas duas últimas pesquisas citadas, onde procuravam introduzirconceitos da Física Moderna nas escolas médias, chegou-se à conclusão de que todas as formalizações matemáticas, que os professores em formação dominavam dessa disciplina, não foram suficientes para que eles pudessem ensinar os conceitos no nível médio.
Existe uma forte correlação entre "conhecer o conteúdo que se deve ensinar', isto é, o domínio do conteúdo pelo professor e como esse conteúdo deve ser trabalhado com o aluno, isto e, o conteúdo escolar.
Quando os professores conhecem o conteúdo que pretendem ensinar, abrangendo os cinco pontos que propusemos acima, ele terá condições de planejar um ensino que alcance o conceito de "conteúdo escolar" sugerido por Coll (1992). Propondo romper com um ensino centrado apenas na memorização mais ou me­nos repetitiva de fatos e na assimilação mais ou menos compreensível de conceitos e sistemas conceituais, este autor amplia o conceito de conteúdo escolar incluindo os aspectos conceituais, procedimentais e atitudinais e sugere que o professor planeje e desenvolva atividades deensino que permitam que seus alunos trabalhem de forma inter-relacionada esses três aspectos do conteúdo.
6.2   Saberes Integradores
O saberes integradores são os relacionados ao ensino dos conteúdos esco­lares e são provenientes das pesquisas relacionadas na área de ensino doconteúdo específico. Estas pesquisas têm tido um enorme crescimento nos últimos anos, internacional e nacionalmente, refletindo todo um esforço, emtermos brasileiros, na produção desses conhecimentos que em sua maior parte são desenvolvidos nos cursos de Pós-Graduação por professores ou ex-professores dos ensinos Fundamental e Médio interessados em entender como se ensina e se aprende um determinado conteúdo e em detectar os principais problemas enfrentados na formação de professores criativos para essas áreas.
Essas pesquisas têm sido apresentadas c discutidas nos Encontros e Simpósios sobre o ensino das áreas específicas, como, por exemplo, os Encontrosde Pesquisa eEnsino de Física, os Encontros de Pesquisadores de Ensino de Ciências, os Encontros de Ensino de Matemática, os Encontros de Pesquisa de Ensino  de Historia, os Encontros Nacionais de Ensino de Geografia, as reuniões: Perspectivas do Ensino de Biologia, também dentro das reuniões das sociedades científicas como nas Reuniões da Sociedade Brasileira de Química e nas da Associação Nacional de Professores de Historia (ANPH U).
Um dos resultados significativos provenientes das pesquisas em formação de professores é o que indica que um dos obstáculos para o professor adotaruma atividade docente inovadora e criativa, além da já discutida falha no domínio do conteúdo, são suas idéias sobre ensino e aprendizagem, ou seja, "... as idéias docentes de senso comum" (Carvalho e Gil, 1993). Essas pesquisas mostram que os professores têm idéias, atitudes e comportamentos sobre o ensino, formados durante o período em que foram alunos, adquiridos de forma não-reflexiva, como algo natural, óbvio, escapando, assim, à crítica e se transformando em um verdadeiro obstáculo para uma mudança didática.
É necessário colocar problemas, questões, ou seja, atividades desequilibradoras, para que os professores tomem consciência da importância que esses aspectos tem no desenvolvimento do ensino e da aprendizagem do conteúdo.
Costumamos desenvolver com professores, em nossos cursos de formação inicial ou em serviço, uma atividade em que buscamos sensibilizá-los para o fato da aridez e da não-significação, para os alunos, dos conteúdos tradicionalmente apresentados nos cursos médios. Propomos a esses professores (ougraduandos) entrevistarem cinco profissionais liberais em cujos respectivos cursos de graduações não constam a disciplina enfocada na pesquisa; desse modo, a ultima vez que o entrevistado estudou esse conteúdo foi realmente no curso médio. Escolhemos profissionais liberais porque esses passaram por um vestibular, o que já pode ser visto como uma avaliação do seu ensino médio. A entrevista tem uma questão fundamental: "... o que você lembra da'física' que lhe foi ensinada no curso médio"? A partir da resposta a essa questão, outras vão sendo formuladas para avaliarmos o conhecimento adquirido nesse período.
() resultado que costumamos obter é muito desestruturador. Os entrevistados, em sua grande maioria - mais de 70 % de nossa amostra -, não lembram de nada do que estudaram no curso médio ou lembram somente dos nomes dos principais tópicos estudados - por exemplo: lembram que estudaram dinâmica, óptica, eletricidade e mais nada. O restante lembra de maneira muito geral do conteúdo que lhe foi apre­sentado, não podendo, entretanto, explicar nenhum dos conceitos-chave. Nessa mes­ma entrevista, procuramos caracterizar o papel do professor e encontramos sujeitos que gostarammuito de seus professores e que achavam que eles tinham lhes ensinado muito bem, mas, mesmo nesses casos, eles não conseguiam lembrar os principais conceitos do conteúdo estudado.
A discussão dos resultados obtidos nas entrevistas leva a uma crítica fun­damentada em relação ao como o conteúdo é tradicionalmente desenvolvidonas escolas. Voltamos a questionar esse ensino em que o contendo é transmitido de uma forma dogmática e a relacionar o conteúdo dominado pelo professor com o conteúdo escolar por ele ensinado.
Iniciamos, então, um questionamento sobre a forma como tradicionalmente são introduzidos os conceitos, os trabalhos práticos e os problemas. Levantamos as questões das relações do ensino do conteúdo com os aspectos históricos e sociais e, principalmente, a questão de que o conteúdo escolar, proposto aos nossos jovens, não pode se reduzir a uma coleção de fatos, conceitos, leis e teorias como tradicionalmente são apresentadas aos alunos, Dessa maneira, na melhor das hipóteses, o que realmente permanece com os alunos, no final da escola média, é uma visão reducionista e neutrado que seja produção de conhecimento pela humanidade (Gil, 1993).
Na verdade, o professor precisa saber analisar criticamente o ensino tradicional, sendo que essa análise não é fácil, pois requer uma ruptura davisão da docência recebida ate o momento. Várias atividades na formação do professor devem ser direcionadas para esse fim e aqui aparece de modo bastante forte: a relação entre a teoria e a prática, entre o saber e o saber fazer. Os professores não só deverão saber analisar criticamente o ensino tradicional como também fazer atividades renovadoras. Isto obriga que estas propostas sejam vividas e vistas em ação, por exemplo, videogravadas (Carvalho, 1999).             
Outro foco das pesquisas em ensino, que tem produzido resultados solidamente estabelecidos, é o que mostra a existência de concepções espontâneasdifíceis de serem substituídas, durante o ensino, por conhecimento científico. Estas pesquisas tiveram grande desenvolvimento na área do ensino de Física, tendo já aparecido na literatura dirigida aos professores, livros e artigos, sistematizando os resultados obtidos e mostrando as principais  concepções espontâneas encontradas nos conteúdos ensinados nas escolas fundamental e média. (Driver, Guesnes e Tiberghien, 1985; Scott, Asoko,Driver, 1998).
Essa linha de pesquisa estendeu-se, primeiramente, para as áreas de investigação em ensino de Química, onde também já encontramos trabalhos de revisão de literatura sobre esse tópico. Na área de pesquisa em ensino de Geografia, muitas investigações foram realizadas no Brasil, como, por exemplo, a que estuda como é feita a leitura dos mapas pelas crianças (Oliveira, 1977 e Cecchet, 1982) e a que procura descobrir como as criançasconstroem as noções de latitude e longitude (Góes, 1983), Também no ensino de Cartografia, várias pesquisas foram feitas visando entender opensamento dos alunos (Paganelli, 1987; Simielli, 1996; Castelar,  1996).
Na área de ensino de línguas, no nosso caso o ensino de Português, esse mesmo objetivo de pesquisa - conhecer como os alunos pensam os conceitosfundamentais do conteúdo a ser ensinado na escola - também teve um grande desenvolvimento apesar de ter base teórica diferente. Aqui, a produção desse conhecimento sofreu maior influência dos trabalhos sobre a psicogênese da língua escrita desenvolvidos por Ferreira e Teberosky (1985).
Mas, quaisquer que sejam os representantes teóricos que deram origem a essas pesquisas, o professor precisa conhecer os seus resultados, ou seja,saber da existência das concepções espontâneas ao planejar o seu ensino e ter consciência de que seus alunos chegam às aulas com conhecimentos empíricos já constituídos e, portanto, não são uma "tábula rasa". Eles vão sempre compreender a proposta de ensino do professor a partir de seus esquemas conceituais prévios.
As pesquisas em concepções espontâneas deram origem a uma nova linha de investigação, que procura determinar as condições de ensino e de aprendizagem para se obter uma mudança ou uma evolução conceitual (Silva, 1989; Teixeira, 1983; Mortmimer, 1994; Barros, 1996). Essas propostas de ensino partem de um referencial construtivista, isto é, orientam a aprendizagem dos alunos como uma (re)construção de conhecimento a partir de seus conceitos iniciais, mas que vão evoluindo para os conceitos científicos através de atividades de ensino nas quais situações problemáticas de interesse dos alunos são colocadas e a metodologia da produção do conhecimento é respeitada. Como afirmam Driver e Oldham ( 1986), talvez a mais importante implicação do modelo construtivista seja "conceber o currículo não como um conjunto de conhecimentos e habilidades, mas como um programa de atividades através das quais esses conhecimentos e habilidades possam ser construídos e adquiridos."
Dentro dessa perspectiva, o professor precisa saber preparar um programa de atividades que leve seus alunos a construir os conhecimentos, habilidades e atitudes do conteúdo que se propõe a ensinar (Gil et al., 1999;Carvalho et al., 1998).
Se a relação teoria – prática é importante na construção do conteúdo específico, essa mesma relação torna-se imprescindível em relação ao domínio dos saberes integradores. Agora, a prática se dá na escola, nos estágios dos cursos de graduação, onde os professores vão procurar estabelecer um vínculobastante forte entre o saber e o saber fazer.
É preciso que os professores saibam acerca dos conceitos espontâneos, mas é preciso também que eles saibam fazer, através de questões problematizadoras bem formuladas, com que os alunos explicitem suas concepções espontâneas e que essas apareçam com um status de hipótese a serem testadas e não como um confronto entre a idéia pessoal do aluno e a idéia científica.
É preciso que os professores saibam construir atividades inovadoras que levem os alunos a evoluírem, nos seus conceitos, habilidades e atitudes, mas énecessário também que eles saibam dirigir os trabalhos dos alunos para que estes realmente alcancem os objetivos propostos. É importante o envolvimento dos participantes em atividades de ensino que sejam problemáticas para os alunos a que se destinam. Tais atividades, além de possibilitar a vivência de propostas pedagógicas inovadoras, fazem com que os professores se interem dos detalhes e dificuldades que essas propostas colocam. ()saber fazer nesses casos é muitas vezes, bem mais difícil do que o fazer (planejar a atividade) e merece todo um trabalho de assistência e análise críticadessas aulas (Carvalho, 1996). Este saber fazer, que quase sempre se dá nos estágios supervisionados nas escolas fundamental e média, precisa ser pensado como um laboratório onde os professores vão testar suas hipó­teses de ensino, onde a relação teoria-prática deve estar sempre presente.Todos os conceitos de "reflexão na ação" e "reflexão sobre a ação" (Schon, 1992; Zeichner, 1993) podem e devem ser estimulados durante os estádios.
Outra linha de pesquisa proveniente dos estudos sobre mudança conceitual é aquela que investiga as discussões em sala de aula: dos alunos entre si edos alunos com o professor (Mortimer e Machado, 1997; Mortimer, 1998; Scott, 1997). O professor tem uma linguagem própria, que é a das ciências ensinadas na escola, construídas e validadas socialmente; uma das funções da escola é fazer com que os alunos se introduzam nessa nova linguagem, apreciando sua importância para dar novo sentido às coisas que acontecem ao seu redor, entrando em um mundo sim­bólico que representa o mundo real (Driver e Newton, 1997).
Para que ocorra uma mudança na linguagem dos alunos - de uma lingua­gem cotidiana para uma cientifica -, os professores precisam dar oportunidade aos estudantes de exporem suas idéias sobre os fenômenos estudados, num ambiente encorajador, para que eles adquiram segurança e envolvimento com as práticas científicas. É, portanto, necessária a criação de um espaço para a fala dos alunos nas aulas. Através da fala, além de poder tomar consciência de suas próprias idéi­as, o aluno também tem a oportunidade de poder ensaiar o uso de um novo gênero discursivo, que carrega consigo características da cultura científica (Capecchi e Carvalho, 2000).
O professor precisa saber que aprender é também apoderar-se de um novo gênero discursivo, o gênero científico escolar; para isso, ele precisa saber fazer com que seus alunos aprendam a argumentar, isto é, que eles sejam capazes de reconhecer as afirmações contraditórias, as evidências que dão ou não suporte às afirmações, além da capacidade de integração dos méritos de uma afirmação. Este ambiente é propício para que os alunos passem a refletir sobre seus pensamentos, aprendendo a reformulá-los através da contribuição dos colegas, mediando confli­tos através do diálogo e tomando decisões coletivas.
Temos que assinalar, por último, sem querer ser exaustivo, que os professores precisam também, para ser um bom profissional, dominar os saberes pedagógicos.
6.3 Saberes Pedagógicos
Os saberes pedagógicos abrangem um espectro bastante amplo.  Alguns estão relacionados ao ensino dos conteúdos escolares, mas são provenientesde pesquisas nos campos da Didática Geral  e da Psicologia da Aprendizagem e intimamente relacionados com os acontecimentos dentro da sala de aula, influenciando diretamente o ensino e a aprendizagem de todos os conteúdos. Para vários autores, esses saberes pedagógicos podem ser pensados como saberes integradores, pois aparecem frequentemente nas pesquisas sobre ensino e aprendizagem nas áreas dos conteúdos específicos. Como exemplo, podemos citar: o saber avaliar, o compreender as interações professor-aluno, o conhecer o caráter social da construção do conhecimento, etc.
Outros saberes vêm das pesquisas que estudam a escola e o ambiente escolar de maneira mais ampla, os professores e os problemas de sua profissionalização, mas cujos fatores influenciam professores e alunos, ensino e aprendizagem. São as pesquisas que estudam, por exemplo, a violência na escola, o ambiente das organizações escolares favorecendo ou dificultando o trabalho desenvolvido em sala de aula, o clima generalizado defrustração associado às atividades docentes, suas expectativas como profissional e em relação aos alunos.
Não vamos, neste capitulo, nos aprofundar nos saberes pedagógicos, pois eles estão sendo apresentados e discutidos com uma profundidade muito maior do que poderíamos aqui apresentar em vários outros textos desse livro.
O que temos que acrescentar é que o professor precisa também construir o saber fazer em relação a esses saberes e que o locus para obtenção de dados que potencializam a relação teoria- prática é, ainda, a escola. Atividades de estágio direcionadas para essa análise crítica da escola e de seuambiente devem fazer parte da ação de todos os professores.
              Vamos apresentar, como exemplo para discussão, uma aula que transcrevemos de um curso de Física dado para uma escola estadual na cidade de São Paulo ( série do curso médio). A necessária preparação da aula, os diálogos dos alunos e do professor permitem uma reflexão sobre os saberes do professor para alcançar os objetivos didáticos de uma proposta inovadora.
6.4   Um Exemplo: Atividade onde Discutimos Ciência,
Tecnologia e Sociedade em uma Aula sobre Telescópio e onde Apresentamos os Saberes do Professor e o seu Saber Fazer
Nas propostas atuais de ensino de ciências, em que se pretende levar os alunos a construir o seu conhecimento através de uma integração harmônica entre os conteúdos específicos e os processos de produção desse mesmo conteúdo; a introdução de atividades que discutam os problemas de Ciência,Tecnologia e So­ciedade (C/T/S) tem um fator de destaque (Carvalho e Vannucchi, 1999).
Elaboramos esta atividade com a intenção de verificar como os estudantes discutem sobre Ciência quando lhes é proposto um tema controverso, no caso, as redações entre Ciência c Tecnologia, com base no episódio do aperfeiçoamento da luneta por Galileu Gal i lei, no século X VII.             
Enquanto o senso comum atribui relação causal entre desenvolvimento científico e tecnológico, sendo a Ciência considerada matriz da Tecnologia (Díaz,1995), no episódio da luneta esse modelo não apenas não se aplica, mas trata exatamente do contrário: embora Galileu tenha aperfeiçoado a luneta a ponto de permitir a realização de observações astronômicas que determinaram uma nova etapa para a Astronomia, a Ciência da época não explicava por que e como funcionava aquele aparato.
Embora Galileu tenha transformado a luneta débil em poderoso instrumen­to de pesquisa, ele o fez por ter sido o primeiro a polir lentes objetivas delongo alcance com qualidade suficientemente boa (Cohen, 1992), o que indica que, se uma relação causal foi estabelecida para este episódio, o instrumento tecnológico terá permitido novas possibilidades à Ciência.
Na elaboração da atividade de ensino foi selecionado um diálogo, escrito por Stillman Drake (1983), travado entre contemporâneos imaginários deGalileu sobre o episódio do aperfeiçoamento da luneta.
A atividade foi proposta para turmas de segundo ano colegial de uma escola pública de São Paulo, Brasil. As aulas foram filmadas em vídeo etranscritas. Em uma primeira aula, os alunos leram o texto e discutiram as questões colocadas ao final, em grupos de 4 a 5 pessoas. Vamos apresentar alguns momentos da aula seguinte, quando o professor abriu a discussão para toda a classe, a fim de analisarmos essas seqüências da aula (esses dadosforam retirados de Vannucchi, 1996).

Referência:
CARVALHO, ANA. M. P. de, Daniel Gil Perez. O saber e o saber fazer dos professores. In: CASTRO, A. D. de; CARVALHO, A. M. P. de (org.)Ensinar a Ensinar - Didática para a Escola Fundamental e Média. São Paulo: Pioneira, 2001, pp. 107-121.